Especialistas falam que o mercado será mais aquecido do que em 2020, porém mas afetado por incertezas econômicas, políticas e na saúde. Veja se é hora de comprar ou alugar.
SÃO PAULO – Os imóveis ganharam mais holofotes no último ano – seja porque as pessoas começaram a passar mais tempo dentro de casa, ou porque a inflação no setor assustou tanto quem constrói quanto quem aluga. Os juros baixos despertaram o interesse de quem busca um imóvel para morar e a valorização das propriedades chamou a atenção de quem pensa em investir em 2021.
O InfoMoney ouviu especialistas no setor para entender se os fatores que afetaram as propriedades em 2020 podem ser vistos em 2021. Também analisou como ficarão os preços dos imóveis e se esta é a hora certa para adquirir uma propriedade com foco em moradia ou em rendimentos.
Como a pandemia afetou os imóveis
O mercado imobiliário enfrentou números ruins nos últimos anos, refletindo a recessão econômica que começou em 2014. “2016 foi o fundo do poço, e desde então o mercado vinha se recuperando aos poucos. No segundo semestre de 2019, começou a pegar ritmo”, avalia Alberto Ajzental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da FGV.
A expectativa do setor imobiliário era grande para o começo de 2020. O ano começou bem, até que veio a pandemia do novo coronavírus. A nova crise, desta vez iniciada pela área da saúde, gerou incerteza no mercado – mas não demorou para ser contornada pelos players de imóveis.
Depois de uma queda na comercialização de casas e apartamentos entre o final de março e abril deste ano, as vendas começaram a se recuperar em maio. Um cenário realmente favorável se viu de julho em diante, com pico de unidades comercializadas em agosto. Apenas na cidade de São Paulo, foram vendidas 38.287 unidades no acumulado entre janeiro e outubro de 2020, segundo os dados mais recentes do Secovi-SP, o sindicato da habitação. O número representa um crescimento de 5,57% em relação ao mesmo período do ano anterior (36.267 unidades).
No geral, a intenção de compra aumentou ao longo de 2020. Em relatório sobre o terceiro trimestre do ano passado elaborado pelo FipeZap, a proporção de respondentes que declarou intenção de adquirir imóveis nos próximos três meses apresentou nova alta. A intenção passou de 43% no segundo trimestre para 48% entre os respondentes da amostra do terceiro trimestre de 2020. O resultado estabeleceu um novo patamar recorde na série histórica da pesquisa, iniciada em 2014.
Movimentos em diversos planos explicam a vontade de comprar propriedades mesmo durante uma pandemia. Um primeiro motivo é a própria característica de ciclos longos no mercado imobiliário. “Você não consegue prever o que vai acontecer em um horizonte tão distante – são anos de construção e décadas de financiamento. Ao mesmo tempo, uma pandemia mais pontual não gera tanta volatilidade no mercado imobiliário quanto em outros setores. Então, a recuperação foi rápida”, diz Ajzental.
Outros motivos são a demanda reprimida entre 2014 e 2018; a busca por moradias com mais espaço nesta pandemia, mesmo que em detrimento da localização, o que movimentou o mercado; e a forte queda da taxa básica de juros, a Selic. Esse último ponto foi o que mais aqueceu o mercado e ajudou a superar a pandemia, na visão de todos os especialistas ouvidos pelo InfoMoney.
De agosto de 2019 a agosto de 2020, a Selic teve nove quedas seguidas, passando de 6,5% ao ano para os atuais 2% ao ano. O menor nível histórico da taxa básica de juros permitiu uma redução das taxas cobradas nos financiamentos imobiliários. O crédito pode durar até 30 anos – então, o efeito dos juros é marcante.
Veja uma simulação de financiamento com a Selic a 14,25% ao ano (taxa vista em 2016) e a 2% ao ano. A projeção foi elaborada por Alberto Ajzental, da FGV. Consideramos um imóvel de R$ 250 mil, com 80% do valor financiado (R$ 200 mil). O prazo do financiamento é de 240 meses, com comprometimento máximo de renda de 30%. O sistema de pagamentos é o SAC:
Isso não significa que o ano foi totalmente bom para o mercado imobiliário. Na cidade de São Paulo, ainda que o número de unidades comercializadas tenha aumentado na comparação entre janeiro a outubro de 2019 e de 2020, o valor geral de vendas (VGV) teve redução de 2,65%. Entre janeiro e outubro de 2020, foram comercializados R$ 17,3 bilhões. No mesmo período de 2019, R$ 17,8 bilhões, segundo o Secovi-SP.
Os lançamentos também amargaram queda, segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). Entre janeiro e outubro, foram lançadas 32.696 unidades na cidade de São Paulo, redução de 22,3% em relação ao mesmo período do ano passado (42.088 unidades). Em VGV especificamente para lançamentos, a redução foi de 35%.
Segundo os especialistas ouvidos pelo InfoMoney, novembro e dezembro foram meses bem fortes para o mercado imobiliário em 2019. Por isso, é esperado que essas taxas se mantenham ou caiam ainda mais na comparação anual.
O que 2021 reserva para os imóveis?
Também para os especialistas ouvidos pelo InfoMoney, 2021 promete ser melhor do que 2020 para o mercado imobiliário. “Iniciamos um novo ciclo de alta, que pode ser visto nos resultados do final de 2020 e nos IPOs de construtoras. Mas é um ciclo diferente daquele visto no pré-pandemia. Vejo um aquecimento ainda meio desequilibrado”, afirma Danilo Igliori, economista chefe do Zap+. “Não vai ser igual à perspectiva que tínhamos em janeiro de 2020, antes da pandemia. Mas estamos em um cenário melhor do que o visto em março ou abril do mesmo ano”, concorda Ajzental.
Para o coordenador da FGV, 2021 ainda deve começar lento para o mercado imobiliário. “Não vejo grandes sobressaltos em oferta ou em demanda. Todo mundo está esperando para ver o que acontece. Com países aprendendo a vacinar suas populações e com o governo brasileiro fazendo sua lição de casa na economia, o setor deve voltar a acelerar”. Nessa lição de casa, Ajzental cita a retomada das privatizações e as reformas administrativa e fiscal.
Já Alexandre Frankel, fundador da construtora Vitacon e vice-presidente de Novas Tendências do Secovi-SP, vê um 2021 aquecido. “O desemprego tem impacto, mas não o vejo como suficiente para tirar força da demanda reprimida por imóveis”, analisa Frankel. Um ano melhor representaria mais lançamentos de empreendimentos imobiliários. O CEO da Vitacon estima que o ritmo de imóveis novos em 2021 seja maior do que o visto tanto em 2020 quanto em 2019.
Mas como ficarão os preços dos imóveis em 2021? Os especialistas preveem preços aos consumidores estáveis ou em leve alta. “A procura por propriedades acende um sinal amarelo para a inflação. Ela pode ser repassada ao consumidor, porque o mercado está aquecido e suportado pela taxa de juros baixa”, analisa Frankel. “É possível que vejamos um aumento de preços em alguns produtos e localizações”, concorda Igliori.
Um ponto importante é a provável alta da taxa Selic este ano. Diversos índices de inflação, referentes a dezembro do ano passado e a janeiro deste ano, vêm mostrando que os preços estão pressionados, o que tem levado economistas a apostar que o Banco Central pode aumentar os juros já no segundo trimestre deste ano, e não a partir do terceiro trimestre como se previa até o ano passado. Ainda que os juros não devam passar da casa dos 3%, patamar ainda historicamente baixo, os bancos podem voltar a subir as taxas dos financiamentos.
Mas essa alta dos juros deve ter efeitos limitados sobre o apetite de compra por imóveis, segundo o professor da FGV. “A maior parte do capital que alimenta o crédito imobiliário vem do SBPE [que usa recursos da poupança]. Com a Selic abaixo de 8,5%, a poupança remunera 70% da Selic. Então, com uma Selic a 3% a remuneração passaria dos atuais 1,4% para 2,1% a.a., ou seja, cresceria 0,7%. Caso a taxa do financiamento suba, acredito que seja algo dessa grandeza para menos.”
Além de pandemia, juros e demanda por imóveis, outros indicadores devem ser acompanhados ao longo dos próximos meses: a vacância de propriedades e a demanda por materiais de construção e por mão de obra.
Quanto menor o estoque de imóveis disponíveis, maior a pressão sobre os preços. “A demanda se move rapidamente, enquanto a oferta demora – pode levar anos para uma empresa achar um terreno, firmar contratos e iniciar as vendas. Esse descompasso que gera um ciclo de alta no mercado imobiliário”, explica o economista chefe do ZAP+.
Um efeito de mais lançamentos é o aumento da demanda por materiais de construção e por mão de obra. Os dois componentes pressionam o INCC, indicador que reflete os custos da construção civil. Os custos poderiam ser repassados aos consumidores.
A capacidade atual das produtoras de materiais básicos também pode influenciar nos preços finais das propriedades. “Se controlarmos a pandemia e estivermos em uma realidade diferente no segundo semestre de 2021, as empresas de construção terão de decidir se vão aumentar a capacidade instalada. Demora para operacionalizar esse investimento, o que pode aumentar a pressão dos materiais nos preços dos imóveis”, diz Igliori.
Por outro lado, Ajzental não vê pressão suficiente para gerar aumento nos preços. “Os custos a mais com materiais e mão de obra são compensados em larga escala pela queda na Selic. O valor final do imóvel suavizou muito em relação aos preços anteriores.”
Imóvel para morar ou investir: estamos em um bom momento?
Seja para morar ou investir em um imóvel, a queda na Selic facilitou o financiamento imobiliário. “Os imóveis nunca estiveram tão acessíveis. Mas é preciso verificar se você reúne as condições para comprar, já que é um comprometimento de boa parte da renda por muitos anos. Você não compra apartamento só porque ficou mais fácil ou porque entrou um dinheiro a mais no mês”, alerta Ajzental.
Outro impulso para os imóveis tanto para moradia quanto para investimento foi a própria pandemia, na visão do economista chefe do ZAP+. “Primeiro, as pessoas foram forçadas a ficar mais em casa. Então, repararam mais no que estava ao seu redor e concluíram que a propriedade não satisfazia a demanda de passar o tempo todo lá”, diz Igliori. “Já para investimentos, a incerteza atual fez muitos se lembrarem do imóvel como um porto seguro. A propriedade voltou a se juntar a ativos como dólar e ouro.”
Ainda que tenham a mesma ação, que é a de comprar um imóvel, morar ou investir são objetivos completamente diferentes e que pedem a análise de indicadores distintos.
Para Ajzental, se o consumidor tem condições para tal, o momento é propício para quem busca a compra com objetivo de moradia. “Nunca passamos tanto tempo em casa, e a pandemia vai continuar ainda por algum tempo”. O modelo híbrido de trabalho, que mistura expedientes na sede das corporações e na casa dos funcionários, também ganhou espaço em diversas empresas.
Já com o objetivo de gerar rendimentos, Frankel diz que o investidor deve analisar a possibilidade de liquidez (tempo para vender o imóvel e ter em mãos o valor investido), a rentabilidade esperada e o potencial de valorização pela região e pelas características do próprio imóvel. “Também considere que o imóvel precisa de uma administração para performar, seja essa gestão própria ou terceirizada. Os rendimentos não acontecem sozinhos.”
A reflexão deve levar a uma lista com os retornos e riscos envolvidos. Depois, é hora de comparar esses riscos e retornos com o de outras aplicações. A queda na rentabilidade dos títulos de renda fixa, que acompanham a Selic, motivou muitos investidores a buscar investimentos de renda variável. Ações e imóveis são alguns exemplos.
“Deixar um imóvel para alugar rende algo entre 4% e 6% ao ano hoje. Não era algo emocionante quando a Selic estava em 14,5%, mas agora se transformou em uma boa alternativa”, diz Ajzental. “A taxa básica de juros menor destravou o investimento em imóveis e criou um campo fértil para os investidores, especialmente para aqueles que veem uma fonte de renda passiva nas propriedades. Era algo impraticável com a Selic anterior”, completa Frankel.
De acordo o FipeZap, o retorno médio do aluguel residencial (anualizado) encerrou dezembro de 2020 em 4,70%. Vale ressaltar que, ao investir em imóveis, o ganho pode vir não só do rendimento com aluguéis, como pela valorização da propriedade. Ainda assim, a grande desvantagem é que é uma das opções menos líquidas dentre os investimentos disponíveis no mercado. Se o investidor precisar converter o bem em dinheiro, ele pode demorar para conseguir ou pode precisar baixar o preço, caso tenha urgência para ter o valor em mãos.
Outra forma de investir em imóveis, mas com menor risco de liquidez, é por meio da aplicação em fundos imobiliários (FIIs). Um fundo imobiliário é uma espécie de “condomínio” de investidores, que reúnem seus recursos para que sejam aplicados em conjunto de ativos do mercado imobiliário. A dinâmica mais tradicional é que o dinheiro seja usado na construção ou na aquisição de imóveis, que depois sejam locados ou arrendados. Os ganhos obtidos com essas operações são divididos entre os participantes, na proporção em que cada um aplicou.
Os FIIs geralmente são associados a imóveis comerciais, shoppings, galpões logísticos e títulos ligados ao setor imobiliário, mas carteiras com foco residencial começaram a ganhar espaço em 2020. Existem hoje 19 fundos imobiliários com foco no mercado residencial na B3, de acordo com dados do site “Clube FII”. Esse número representa uma pequena fração dos 273 FIIs com cotas negociadas na bolsa brasileiras. “Devemos ver uma profissionalização ainda maior dessa classe de ativos”, diz Igliori.
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fonte: infomoney.com.br / cifra.imb